Propriedade Intelectual na Literatura e no Cinema: Lições de Hemingway, Fitzgerald e “Ficção Americana”

Dois homens escritores em Paris

O mundo da criação literária e cinematográfica está intrinsecamente ligado às questões de propriedade intelectual. O filme Ficção Americana (American Fiction)¹, que recebeu 5 indicações ao Oscar 2024, dentre elas a de melhor filme, e as experiências de Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald no livro Paris é Uma Festa nos oferecem valiosas lições sobre direitos autorais e ética na produção artística. 

Livro Paris é uma Festa de Ernest Hemingway e o filme Ficção Americana, que reccebeu 5 indicações ao Oscar 2024

Proteção das criações e inovações 

Primeiramente, vamos entender do que se trata a propriedade intelectual.  

Em termos simples, a propriedade intelectual refere-se aos direitos que resultam de atividades intelectuais na indústria, na ciência, na literatura e na arte.  

No empreendedorismo, podemos dizer que os principais aspectos sobre propriedade intelectual são: 

  1. Direitos Autorais: Os direitos autorais garantem que os criadores tenham controle sobre suas obras, permitindo que eles decidam como e onde seu conteúdo será utilizado. Isso é essencial para proteger livros, artigos, vídeos e outros materiais criativos de uso não autorizado. 
  2.  Marcas Registradas: No ambiente empresarial, as marcas são fundamentais para estabelecer uma identidade única no mercado. A proteção de marcas impede que concorrentes utilizem símbolos ou nomes semelhantes que possam confundir os consumidores.
  3.  Patentes: Para empresas que desenvolvem novas tecnologias ou produtos inovadores, as patentes são essenciais. Elas garantem exclusividade no uso e comercialização das inovações por um período determinado. 

O Dilema da Autenticidade versus Comercialização 

Pois bem.  

Em Paris é Uma Festa, cujo livro parece um diário de Ernest Hemingway, há um capítulo interessante em que ele se encontra com o também escritor Scott Fitzgerald – autor de O Grande Gatsby (1925), título que ficou mais conhecido ainda quando Leonardo Di Caprio, em 2013, interpretou nas telonas² um dos maiores clássicos da literatura norte-americana. 

Neste encontro, Fitzgerald conta a Hemingway que usava de uma técnica inusitada para tornar seus contos mais comerciais: ele os piorava! Com isso, conseguia dinheiro para poder escrever os bons livros que queria.  

Hemingway, em choque com a notícia, acusa-o de “prostituição literária”: 

“Ele me contara que, quando escrevia contos que julgava bons, talvez bons demais para o Post, fazia modificações neles, piorando-os para que se tornassem comerciais e pudessem ser aceitos pela revista. 

Escandalizei-me quando ouvi isso e lhe disse francamente que me parecia uma forma de prostituição. Não há dúvida de que é prostituição, concordara ele, mas é assim que consigo dinheiro que me permite a tranquilidade necessária para escrever bons livros.”³

O filme Ficção Americana traz uma discussão bem parecida. 

O protagonista é um escritor negro que está frustrado com seus alunos: brancos de cabelo azul que se ofendem facilmente com textos racistas discutidos nas aulas, cujos termos não se aplicam a eles, brancos.  

Como se não bastasse, o protagonista tem seu último romance rejeitado porque, nas palavras de seu editor, o livro não é “negro” o suficiente. 

Ao ver que outros livros simplistas estão ganhando notoriedade, e passando por dificuldades econômicas, ele escreve um livro propositalmente ruim sob um pseudônimo, que prontamente é aclamado pelas editoras. 

E assim ele enfrenta um dilema: aceitar a venda milionária de um livro que ele sabe que é ruim, raso, simplista, e que escreveu como sátira para criticar os tipos de histórias negras valorizadas pela indústria branca, ou manter-se fiel à sua escrita profunda e intelectual, mas continuar sem dinheiro? 

Como vimos em Paris é Uma Festa, Scott Fitzgerald sabia a fórmula do sucesso!  

Fórmula esta, porém, condenada por Hemingway. 

Este conflito entre manter a integridade artística ou ceder às demandas do mercado levanta questões cruciais sobre propriedade intelectual: 

  • Direito Moral do Autor: O direito de um criador de manter a integridade de sua obra é protegido pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98). Alterar uma obra para fins comerciais pode infringir esse direito. 
  • Uso de Pseudônimos: A utilização de um pseudônimo pelo protagonista é legalmente permitida, mas levanta questões éticas sobre autenticidade e representação. 

Lições de Hemingway e Fitzgerald 

A discussão entre Hemingway e Fitzgerald sobre “piorar a escrita para vender mais” reflete debates atuais sobre integridade artística e estratégias de mercado. Do ponto de vista da propriedade intelectual: 

  • Adaptações e Derivações: Modificar uma obra para atender demandas comerciais pode resultar em obras derivadas, que também são protegidas por direitos autorais. 
  • Contratos Editoriais: É crucial que autores e editoras estabeleçam claramente os termos sobre possíveis alterações nas obras, respeitando os direitos morais do autor. 

Propriedade Intelectual no Ambiente Digital 

O filme também nos faz refletir sobre como a propriedade intelectual se aplica no mundo digital: 

  • Distribuição Online: Plataformas como Amazon Prime, que disponibilizam o filme, devem respeitar rigorosamente os direitos autorais. 
  • Pirataria: A facilidade de compartilhamento digital aumenta os riscos de violação de direitos autorais, um desafio constante para criadores e distribuidores. 

Considerações para Empreendedores 

Tendo em vista os conceitos e aplicações de propriedade intelectual, torna-se essencial que os empreendedores tomem determinadas condutas, como: 

  1. Registrar suas obras e sua marca para garantir proteção legal.
  2. Compreender os limites entre inspiração e plágio. 
  3. Negociar contratos que protejam seus direitos morais e patrimoniais. 
  4. Estar ciente das implicações legais ao adaptar ou modificar obras existentes. 

Conclusão 

A intersecção entre criatividade, comércio e lei é complexa. Enquanto Fitzgerald via a adaptação comercial como um meio para um fim, Hemingway a considerava uma forma de “prostituição literária”. O filme Ficção Americana nos convida a refletir sobre essas questões no contexto atual. 

Para empreendedores no setor criativo, é fundamental equilibrar aspirações artísticas com realidades comerciais, sempre dentro dos limites legais da propriedade intelectual. Compreender e respeitar esses direitos não só protege os criadores, mas também fomenta um ambiente de inovação e criatividade responsável. 

E se você quiser saber qual será a escolha do protagonista de Ficção Americana em seu dilema, o filme está no streaming Amazon Prime.  

Mas se quiser saber como fazer a proteção intelectual das suas criações, marcas e empresas, procure um advogado da sua confiança.  

Germana Barros 

(Novembro/2024) 

1 https://www.imdb.com/title/tt23561236/?ref_=fn_al_tt_1 

2 https://www.imdb.com/title/tt1343092/?ref_=ext_shr_lnk  

3 Paris é uma festa / Ernest Hemingway; tradução de Ênio Silveira. – 29ª ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021, p. 185. 

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